A insônia, um transtorno de sono prevalente que tem motivado a busca por tratamentos eficazes. Entre as opções ponderadas, os antipsicóticos têm suscitado considerável interesse, refletido em discussões online, grupos de WhatsApp e, em certos casos, prescrições médicas.
Este artigo realiza uma avaliação crítica dessa abordagem, considerando não apenas os fundamentos históricos dos antipsicóticos, mas também as evidências mais recentes disponíveis.
Antipsicóticos para Insônia?
O advento dos antipsicóticos remonta à descoberta acidental dos efeitos relaxantes da Clorpromazina durante procedimentos cirúrgicos. Desde então, diversas classes, como as fenotiazinas e as butirofenonas, foram desenvolvidas, culminando nos antipsicóticos de segunda geração. Esta última categoria, em particular, tem sido alvo de debates sobre sua eficácia no tratamento da insônia.
Os antipsicóticos, divididos em típicos (primeira geração) e atípicos (segunda geração), atuam bloqueando receptores dopaminérgicos D2, com os atípicos também afetando receptores serotoninérgicos 5HT2A. Esta distinção nos mecanismos de ação resulta em perfis terapêuticos e colaterais distintos.
Antipsicóticos tradicionais apresentam efeitos colaterais como sedação, distonia e aumento da prolactina, enquanto os de segunda geração, embora menos propensos a efeitos extrapiramidais, estão associados à síndrome metabólica. A literatura destaca os riscos, especialmente em idosos, como ganho de peso e eventos adversos cerebrovasculares.
Balanço entre benefícios e danos: Existe certeza de que os benefícios dos antipsicóticos superam os danos?
A decisão de prescrever antipsicóticos para insônia deve considerar cuidadosamente os benefícios e danos potenciais. A falta de evidências sólidas sobre a eficácia desses medicamentos, aliada aos riscos significativos, sugere uma abordagem cautelosa.
A prescrição inadequada de antipsicóticos pode desencadear a chamada prescrição em cascata, contribuindo para a polifarmácia. Este fenômeno aumenta os riscos e custos para os pacientes, destacando a necessidade de abordagens mais seguras e eficazes.
Por exemplo: Antipsicóticos podem causar diarreia e incontinência urinária e os pacientes podem receber prescrição de fármacos anticolinérgicos (p. ex., oxibutinina) para tratar os novos sintomas. Assim, um fármaco desnecessário é acrescentado, aumentando o risco de efeitos adversos do fármaco e interações medicamentosas.
A polifarmácia pode contribuir para o uso de medicamentos inadequados e não essenciais para o tratamento. Cria também uma barreira para a adesão ao tratamento, na medida em que torna mais complexos os esquemas terapêuticos, favorecendo com isso as interações medicamentosas e reações adversas.
Recomendações Atuais e Perspectivas Futuras.
As diretrizes atuais desencorajam o uso de antipsicóticos no tratamento da insônia, priorizando abordagens não farmacológicas, como a higiene do sono. A incerteza sobre a eficácia e os riscos associados destaca a necessidade de pesquisas adicionais para uma abordagem terapêutica segura e eficaz.
Diretrizes baseadas em evidências e de melhores práticas para o tratamento da insônia não recomendam o uso de antipsicóticos em todas as faixas etárias, exceto quando os pacientes apresentam insônia comórbida relacionada a condições passíveis de tratamento com antipsicóticos (por exemplo, ansiedade grave ou transtorno bipolar).
Diante da incerteza quanto à eficácia e dos riscos associados ao uso de antipsicóticos no tratamento da insônia, é imperativo explorar alternativas terapêuticas seguras e respaldadas por evidências robustas. Nesse contexto, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) emerge como uma opção promissora e bem fundamentada para abordar o desafio persistente da insônia.
Inúmeras pesquisas respaldam a eficácia da TCC como tratamento de primeira linha para a insônia. A TCC é capaz de melhorar a qualidade do sono, reduzir a latência do sono e diminuir a frequência e duração dos despertares noturnos. Adicionalmente, os benefícios da TCC se estendem para além do alívio dos sintomas, contribuindo para a melhoria da saúde mental global e qualidade de vida.
Ao contrário dos antipsicóticos, a TCC não está associada aos riscos significativos e efeitos colaterais que caracterizam esses medicamentos. Em vez disso, a TCC se concentra em abordar as causas subjacentes da insônia, promovendo mudanças comportamentais e cognitivas que sustentam um sono saudável. Essa abordagem integrativa abrange desde a higiene do sono até a modificação de pensamentos disfuncionais relacionados ao sono, proporcionando uma solução mais holística e sustentável.
Conclusão
Em conclusão, diante das incertezas e riscos associados ao uso de antipsicóticos no tratamento da insônia, a Terapia Cognitivo-Comportamental surge como uma alternativa robusta e segura. As evidências acumuladas destacam não apenas a eficácia da TCC na melhoria do sono, mas também a ausência dos riscos e efeitos colaterais presentes em outras abordagens farmacológicas.
Ivan Lacerda, Psicólogo
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